{"id":2175,"date":"2021-10-13T20:24:20","date_gmt":"2021-10-13T20:24:20","guid":{"rendered":"https:\/\/advocaciaborges.com.br\/?p=2175"},"modified":"2021-12-10T20:25:20","modified_gmt":"2021-12-10T20:25:20","slug":"150-demissoes-em-um-segundo-os-algoritmos-que-decidem-quem-deve-ser-mandado-embora","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/advocaciaborges.com.br\/150-demissoes-em-um-segundo-os-algoritmos-que-decidem-quem-deve-ser-mandado-embora\/","title":{"rendered":"150 demiss\u00f5es em um segundo: os algoritmos que decidem quem deve ser mandado embora"},"content":{"rendered":"

Voc\u00ea ser\u00e1 demitido por um\u00a0algoritmo<\/a>. Parece uma profecia de mau agouro, mas esse \u00e9 o destino que aguarda a maior parte das pessoas empregadas neste agitado primeiro ter\u00e7o do s\u00e9culo XXI: ser contratadas e despedidas por m\u00e1quinas, sem nenhuma intermedia\u00e7\u00e3o humana. \u00c9 poss\u00edvel que muitas delas passem por esse ciclo de destrui\u00e7\u00e3o criativa em v\u00e1rias ocasi\u00f5es ao longo de trajet\u00f3rias de trabalho que prometem ser agitadas. \u00c9 o fim do emprego para a vida toda, que era comum at\u00e9 o final do s\u00e9culo XX.<\/p>\n

Em agosto, a Xsolla, filial russa de uma empresa de\u00a0software<\/em>\u00a0<\/a>e servi\u00e7os interativos com sede em Los Angeles, fez uma reestrutura\u00e7\u00e3o inovadora de sua equipe, atraindo a aten\u00e7\u00e3o de ve\u00edculos de comunica\u00e7\u00e3o do mundo todo. Sem pr\u00e9vio aviso, ela decidiu demitir 150 dos 450 funcion\u00e1rios de seus escrit\u00f3rios em Perm e Moscou, seguindo apenas a recomenda\u00e7\u00e3o de um algoritmo de efici\u00eancia no trabalho que os considerou \u201cimprodutivos\u201d e \u201cpouco comprometidos\u201d com os objetivos da empresa.<\/p>\n

\"\"<\/p>\n

Nem o impacto da pandemia nem as t\u00e3o citadas \u201craz\u00f5es estruturais\u201d. Desta vez, a causa alegada para justificar as demiss\u00f5es em massa foi o julgamento frio de um programa de\u00a0intelig\u00eancia artificial<\/a>\u00a0alimentado com\u00a0big data<\/em>. A medida foi t\u00e3o dr\u00e1stica e incomum que o diretor-executivo e fundador da empresa, Alexander Agapitov, apressou-se em declarar \u00e0 edi\u00e7\u00e3o russa da\u00a0Forbes<\/em>\u00a0que n\u00e3o concordava totalmente com o veredicto da m\u00e1quina, mas era obrigado a acat\u00e1-lo devido aos protocolos internos pactuados com sua assembleia de acionistas. Ele at\u00e9 se ofereceu para ajudar os trabalhadores demitidos a encontrar novos empregos o mais r\u00e1pido poss\u00edvel porque, em sua opini\u00e3o, eles s\u00e3o, na maioria, \u201cbons profissionais\u201d.<\/p>\n

O caso da Xsolla \u00e9 um dos muitos exemplos de empresas modernas com voca\u00e7\u00e3o disruptiva que est\u00e3o incorporando a intelig\u00eancia artificial ao seu processo de tomada de decis\u00f5es. O que \u00e9 relativamente novo \u00e9 que as fun\u00e7\u00f5es que a m\u00e1quina assumiu nesta ocasi\u00e3o s\u00e3o nada menos do que as da diretoria-geral de opera\u00e7\u00f5es e das divis\u00f5es de recursos humanos e gest\u00e3o de talentos.<\/p>\n

Que as m\u00e1quinas acabariam substituindo os trabalhadores humanos, \u00e9 algo que os luditas brit\u00e2nicos do s\u00e9culo XIX j\u00e1 sabiam, e que\u00a0Charles Chaplin\u00a0<\/a>nos mostrou de forma bastante eloquente no filme\u00a0Tempos Modernos<\/em>, de 1936. O que n\u00e3o esper\u00e1vamos era que as\u00a0m\u00e1quinas fossem se transformar em nossos chefes<\/a>.<\/p>\n

Existe pelo menos um precedente muito conhecido. Em 2019, a Amazon, a m\u00e3e de todas as empresas disruptivas de hoje, atraiu a aten\u00e7\u00e3o da revista\u00a0Bloomberg<\/em>\u00a0por sua tend\u00eancia de demitir funcion\u00e1rios com base em crit\u00e9rios inform\u00e1ticos. Naquela ocasi\u00e3o, um dos afetados, Stephen Normandin, foi entrevistado pela revista e virou um s\u00edmbolo desse procedimento aparentemente frio e desumanizado.<\/p>\n

Normandin, de 63 anos, um veterano do Ex\u00e9rcito americano residente em Phoenix, Arizona, trabalhava havia v\u00e1rios meses como entregador contratado da empresa de Jeff Bezos quando recebeu um e-mail informando-o sobre a extin\u00e7\u00e3o de seu contrato. O algoritmo de rastreamento de sua atividade cotidiana considerou que ele n\u00e3o era apto para o trabalho. Uma m\u00e1quina havia acabado de despedi-lo.<\/p>\n

Normandin, que se definiu para a\u00a0Bloomberg<\/em>\u00a0como \u201cum cara da velha escola\u201d, com uma \u00e9tica profissional \u201c\u00e0 prova de bomba\u201d, considerou isso uma afronta pessoal. Para ele, foi uma demiss\u00e3o \u201cdesconsiderada e abusiva\u201d, al\u00e9m de n\u00e3o merecida. Ningu\u00e9m veio lhe explicar quais crit\u00e9rios tinham levado a intelig\u00eancia artificial a questionar seu compromisso e seu n\u00edvel de compet\u00eancia: \u201cFiz turnos de 12 horas por dia em um restaurante comunit\u00e1rio para refugiados vietnamitas em Arkansas\u201d, destacou. \u201cProvei v\u00e1rias vezes que sou uma pessoa disciplinada e respons\u00e1vel, n\u00e3o mere\u00e7o ser dispensado sem que me escutem, sem que levem em considera\u00e7\u00e3o minhas circunst\u00e2ncias e sem que me deem explica\u00e7\u00f5es.\u201d Em sua opini\u00e3o, o algoritmo o demitiu por sua idade, sem levar em conta fatores como sua vontade de trabalhar e sua excelente sa\u00fade f\u00edsica e mental, mas suas tentativas de demonstrar isso indo a um tribunal de arbitragem foram infrut\u00edferas.<\/p>\n

Spencer Soper, que escreveu aquele artigo, considera que a luta de Normandin contra a m\u00e1quina \u00e9 \u201cuma guerra perdida\u201d, fruto de um \u201cequ\u00edvoco sinistro\u201d: \u201cHomens como ele continuam apelando para a cultura do esfor\u00e7o e a dignidade do trabalho, enquanto empresas como a Amazon baseiam seu modelo na crescente automatiza\u00e7\u00e3o dos processos produtivos e em rotinas de trabalho que excluem quase totalmente o fator humano\u201d.<\/p>\n

Em entrevista \u00e0 CNBC,\u00a0Jeff Bezos<\/a>\u00a0afirmou que as \u00fanicas decis\u00f5es empresariais que \u00e9 imprescind\u00edvel deixar nas m\u00e3os de seres humanos s\u00e3o \u201cas estrat\u00e9gicas\u201d. As demais, as decis\u00f5es \u201ccotidianas\u201d, por mais importantes que sejam, devem ser tomadas preferivelmente por algoritmos de intelig\u00eancia artificial, porque eles agem \u201clevando em conta todas as informa\u00e7\u00f5es relevantes e sem interfer\u00eancias emocionais\u201d. Para o CEO da Amazon, \u201ca intelig\u00eancia artificial otimiza os processos e, a m\u00e9dio e longo prazo, vai criar muitos mais empregos do que destruir\u201d. Casos espec\u00edficos mais ou menos lament\u00e1veis do ponto de vista humano, como o de Stephen Normandin, seriam apenas efeitos colaterais de uma revolu\u00e7\u00e3o que avan\u00e7a sem parar.<\/p>\n

Para Fabi\u00e1n Nevado, especialista em direito trabalhista e assessor do Sindicato dos Jornalistas da Catalunha, \u201c\u00e9 moralmente inadmiss\u00edvel que um algoritmo demita voc\u00ea usando crit\u00e9rios gerais que n\u00e3o levam em conta suas circunst\u00e2ncias pessoais e, principalmente, que nenhum ser humano se preocupe em comunicar a demiss\u00e3o pessoalmente, com o m\u00ednimo de respeito e empatia\u201d.<\/p>\n

Nevado n\u00e3o acha que esse tipo de caso possa ocorrer apenas em mercados de trabalho pouco regulamentados, como os da\u00a0R\u00fassia\u00a0<\/a>e dos\u00a0Estados Unidos<\/a>. \u201cPelo contr\u00e1rio, na\u00a0Espanha<\/a>, ao contr\u00e1rio do que as pessoas acreditam, a demiss\u00e3o \u00e9 liberada. O que ocorre \u00e9 que \u00e9 preciso argumentar quais s\u00e3o os motivos para essa demiss\u00e3o e, caso n\u00e3o haja acordo, um juiz acaba decidindo se eles s\u00e3o convincentes ou n\u00e3o.\u201d Mas \u00e9 perfeitamente legal que as empresas utilizem a intelig\u00eancia artificial para monitorar o desempenho de seus funcion\u00e1rios, desde que fa\u00e7am isso de acordo com a Lei Org\u00e2nica de Dados de Car\u00e1ter Pessoal: \u201cDe qualquer forma, quem demite \u00e9 sempre um empregador, um ser humano ou um grupo deles\u201d, assinala Nevado. \u201cMas a m\u00e1quina pode ser a ferramenta utilizada para justificar uma demiss\u00e3o. Na verdade, isso j\u00e1 est\u00e1 ocorrendo em muitos casos.\u201d<\/p>\n

Em \u00faltima inst\u00e2ncia, quem decide \u00e9 um juiz, como o \u00e1rbitro faz no futebol profissional em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 maioria das recomenda\u00e7\u00f5es do VAR, essa ferramenta pol\u00eamica que revolucionaria para sempre a justi\u00e7a esportiva. O que \u00e9 claramente inaceit\u00e1vel, segundo o especialista, \u201c\u00e9 que nem os chefes de \u00e1rea nem os departamentos de recursos humanos assumam a responsabilidade por essa\u00a0demiss\u00e3o<\/a>, que se escondam atr\u00e1s de algoritmos e outras inova\u00e7\u00f5es tecnol\u00f3gicas para fugir da responsabilidade e desumanizar ainda mais as rela\u00e7\u00f5es trabalhistas\u201d. Se a tend\u00eancia continuar, Nevado prev\u00ea \u201cum futuro bastante sombrio\u201d para os departamentos de recursos humanos.<\/p>\n

T\u00e3o sombrio que eles desaparecer\u00e3o a m\u00e9dio prazo caso se consolide a ideia de que a gest\u00e3o de talentos (contrata\u00e7\u00f5es, demiss\u00f5es, aumentos salariais, processos disciplinares, incentivos…) pode ser deixada completamente nas m\u00e3os das m\u00e1quinas. \u201cE n\u00e3o s\u00f3 esse departamento\u201d, acrescenta. \u201cMuitos chefes de \u00e1rea tamb\u00e9m correr\u00e3o perigo, principalmente aqueles cujo sal\u00e1rio depende de sua capacidade para fiscalizar os trabalhadores sob sua responsabilidade.\u201d Em um mundo de empres\u00e1rios inovadores, tecnologia de gest\u00e3o de \u00faltima gera\u00e7\u00e3o e for\u00e7a de trabalho intercambi\u00e1vel, sobram os capatazes.<\/p>\n

Frank Pasquale, professor da Brooklyn Law School de Nova York, aborda essas quest\u00f5es em seu livro\u00a0New Laws of Robotic<\/em>\u00a0(\u201cNovas Leis da Rob\u00f3tica\u201d). Para esse intelectual, que se define como \u201cum humanista com compet\u00eancia tecnol\u00f3gica\u201d, a intelig\u00eancia artificial nunca deve suplantar a experi\u00eancia e a capacidade de racioc\u00ednio humanas em \u201c\u00e1reas que tenham claras implica\u00e7\u00f5es \u00e9ticas\u201d. Ou seja, uma m\u00e1quina nunca pode decidir em quem atirar nem a quem demitir, porque far\u00e1 isso baseada exclusivamente em crit\u00e9rios de efici\u00eancia. Decis\u00f5es desse tipo n\u00e3o podem ser automatizadas. N\u00e3o podem ser dissociadas de um processo de \u201creflex\u00e3o respons\u00e1vel\u201d, uma ferramenta exclusivamente humana. Para o professor Pasquale, o \u201cchefe digital\u201d sempre ser\u00e1 um tirano, porque desumaniza as pessoas ao trat\u00e1-las como se n\u00e3o fossem seres humanos, \u201cao transform\u00e1-las em meras ferramentas e negar-lhes sua condi\u00e7\u00e3o de criaturas racionais e livres\u201d.<\/p>\n

A Uni\u00e3o Geral dos Trabalhadores da Espanha aponta, em seu documento de trabalho\u00a0Las Relaciones Algor\u00edtmicas en las Relaciones Laborales<\/em>\u00a0(\u201cAs Rela\u00e7\u00f5es Algor\u00edtmicas nas Rela\u00e7\u00f5es Trabalhistas\u201d), que a barreira contra os algoritmos que demitem pessoas tem de ser uma regulamenta\u00e7\u00e3o clara que exija, em primeiro lugar, a revela\u00e7\u00e3o dos crit\u00e9rios utilizados pela intelig\u00eancia artificial. \u201c\u00c9 preciso aplicar o princ\u00edpio da precau\u00e7\u00e3o\u201d, diz o chefe de digitaliza\u00e7\u00e3o do sindicato, Jos\u00e9 Varela. Porque os algoritmos, como qualquer produto da intelig\u00eancia humana, cometem erros. Al\u00e9m disso, n\u00e3o se preocupam se suas decis\u00f5es ter\u00e3o um impacto negativo sobre \u201ca seguran\u00e7a das pessoas ou seus direitos fundamentais\u201d. Ou seja, se um algoritmo vai nos demitir, vamos exigir que ele nos demonstre, em primeiro lugar, que sabe o que est\u00e1 fazendo.<\/p>\n

FONTE: E<\/a>LPAIS<\/a><\/strong><\/em><\/p>\n

As not\u00edcias publicadas e reproduzidas nessa plataforma s\u00e3o de inteira responsabilidade de seus atores (citados na fonte). Dessa forma, os mesmos n\u00e3o traduzem necessariamente a opini\u00e3o da Advocacia Trabalhista Borges.<\/strong><\/em><\/p>\n

Quer saber mais sobre direito trabalhista? Fale com nossa equipe, agora!<\/a><\/strong><\/em><\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

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