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Decisão que reconhece vínculo entre motorista e Uber pode gerar novas ações?

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Volume de demandas com pedido de vínculo, comparado ao tamanho da categoria, ainda é irrisório no Brasil

O dia 6 de abril de 2022 ficará na história do Direito do Trabalho brasileiro porque, pela primeira vez, a mais alta Corte Superior trabalhista (TST), através da sua 3ª Turma, reconheceu vínculo empregatício entre motorista e empresa de plataforma digital de transporte (processo nº TST-RR-100353-02.2017.5.01.0066, 3ª Turma, Relator Min. Maurício Godinho Delgado, DJ 06/04/2022).

Consequentemente, a empregadora terá que assinar a carteira de trabalho e pagar todos os direitos previstos na Constituição Federal de 1988 (FGTS, férias +1/3, 13º salário, aviso prévio, horas extras, adicional noturno etc.), bem como aqueles previstos na CLT, leis correlatas e eventualmente na convenção coletiva da categoria (vale-alimentação, plano de saúde etc.).

Tão logo a notícia do acórdão da 3ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho começou a circular, várias foram as reações em grupos sociais e na internet, desde aqueles que comemoraram (“a precarização está com os dias contados!”, “ainda existem juízes em Brasília!”); passando por aqueles preocupados com os custos (“quero ver a hora que precisarem de transporte por aplicativo e não ter. Aí pagar 3x mais caro no táxi”); a outros que declararam ser o “armagedon” econômico do setor (“vão acabar com a fonte de renda de muitos desempregados, parabéns aos envolvidos!”, “faltou atribuir responsabilidade subsidiária aos usuários!”).

Sem dúvidas o tema é polêmico e desperta nas pessoas as mais diversas reações.

Entretanto, antes de abordarmos os impactos da decisão no Judiciário trabalhista, é importante fazermos algumas reflexões, ainda que breves, sobre o “pano de fundo” de todo este cenário, que são as profundas transformações do trabalho humano neste século 21, proporcionadas por novas tecnologias e empresas “disruptivas”, resultado da 4ª Revolução Industrial.

Segundo o coordenador do Fórum Econômico Mundial, Klaus Schwab, a 4ª Revolução Industrial criou um mundo onde os sistemas físicos e virtuais de fabricação cooperam de forma global e flexível, permitindo a total personalização de produtos e a criação de novos modelos operacionais.[1]

“Pedir um táxi, encontrar um voo, comprar um produto, fazer pagamentos, ouvir música ou assistir um filme – qualquer dessas tarefas pode, agora, ser realizada remotamente.”[2]

Analisando esses recentes impactos, Shoshana Zuboff, professora da Universidade Harvard, destaca: “Essa nova era do capitalismo não tem precedentes (…) é necessariamente irreconhecível (…) é um novo fator na história humana, sui generis”.[3]

Além das plataformas digitais, já é uma realidade o emprego de outras tecnologias produtivas que ficarão ainda mais acessíveis com a internet 5G, como veículos autônomos, impressão 3D (próteses, implantes médicos), internet das coisas (casas automatizadas, roupas, pacotes com rastreamento), blockchain (livro contábil compartilhado, programável, criptografado) e robótica avançada (com inteligência artificial, acesso remoto com conexão a outros robôs que realizam tarefas inteligentes).

Fato é que o trabalho de diversos profissionais poderá ser parcial ou completamente automatizado, tais como analistas financeiros, médicos, jornalistas, contadores, corretor de seguros ou bibliotecários, no exemplo citado por Shoshana Zuboff:

“…considere a arte de escrever, essência criativa do jornalista: algoritmos sofisticados podem criar narrativas em qualquer estilo apropriado para um público específico. O conteúdo soa tão humano que um teste recente feito pelo The New York Times mostrou que, ao ler duas peças semelhantes, é impossível dizer qual delas foi criada por um autor humano e qual foi produzida por um robô. Acredita-se que até meados da década de 2020, 90% das notícias poderão ser geradas por um algoritmo, a maior parte delas sem qualquer intervenção humana”.[4]

Porém, segundo a autora, “isso não significa que estamos num dilema homem versus máquina; significa que precisamos preparar a força de trabalho e desenvolver modelos de formação acadêmica para trabalhar com (e em colaboração com) máquinas cada vez mais capazes, conectadas e inteligentes”.[5]

Em suma, a economia (e, por sua vez, o mundo do trabalho) passa por uma série de transformações decorrentes dessas novas tecnologias. A economia se alterou profundamente para um modelo produtivo sob demanda altamente especializada, numa velocidade de inovação em termos de desenvolvimento e ruptura mais rápida do que nunca, mas também em amplitude e profundidade (muitas mudanças radicais acontecendo simultaneamente).

Agora, podemos trabalhar “…com quem você quiser, quando quiser e exatamente como você quiser. E, já que não são empregados, você não precisa lidar com as dificuldades e normas do trabalho” (Daniel Callaghan, in Schwartz, p. 54).

Segundo Arun Sundararajan, professor da Universidade de Nova York, “talvez cheguemos a um futuro em que parte da força de trabalho terá uma carteira de coisas para gerar sua renda (você pode ser motorista da Uber, comprador da Instacard, locador da Airbnb)” (ou vendedor no Mercado Livre).

Cada vez mais empregadores usam uma “nuvem humana” para que as coisas sejam feitas, com atividades profissionais altamente fragmentadas, lançadas em ambiente virtual de trabalhadores, localizados em qualquer lugar do mundo.

Klaus Schwab destaca: “Será que esse é o começo de uma revolução do novo trabalho flexível que irá empoderar qualquer indivíduo que tenha conexão de internet e que irá eliminar a escassez de competências? Ou será que irá desencadear o início de uma inexorável corrida para o fundo em um mundo de fábricas virtuais não regulamentadas?”.[6]

Para o autor, se o resultado for o último – um mundo do “precariado” –, teríamos uma classe social de trabalhadores que se desloca de tarefa em tarefa para conseguir se sustentar enquanto perde seus direitos trabalhistas, ganhos das negociações coletivas e segurança no trabalho, o que poderia criar uma grande fonte de agitação social e instabilidade política.[7]

Mas será que as transformações de sistemas inteiros modificaram completamente a natureza da vinculação do trabalho humano, a ponto de colocar em xeque a tradicional categoria jurídica “empregado”?

Será que o paradigma dominante desde a era industrial deixará de ser o “vínculo empregatício” e passará, agora, a ser “uma série de transações”?

Esta foi a difícil tarefa da 3ª Turma do TST, ao analisar se a relação jurídica havida entre o motorista e o aplicativo configurou-se em vínculo de emprego; para tanto, foi necessário refletir sobre a complexa função do Direito.

Segundo o acórdão:

“Cabe a ele manter-se, mesmo em face da revolução tecnológica e da inovação das formas de gestão da força do trabalho, como um instrumento de civilização, ou deve, ao invés – na linha exaustivamente instigada pelo pensamento neoconservador –, ser um passivo (ou, até mesmo, ativo) instrumento de exacerbação das desigualdades do sistema econômico?”.[8]

O entendimento do voto vencedor foi no sentido de que, neste momento histórico, de crises e transformações sociais, o Direito do Trabalho se projeta sobre as relações sociais como instrumento de civilização e regulação do sistema econômico e social capitalista, enquadrando os avanços tecnológicos nos interesses também das pessoas humanas – ao invés de, estritamente, no interesse do poder econômico.

O acórdão declarou o que compreende como empresas realmente disruptivas: seriam aquelas que conseguem aproximar o consumidor final do fornecedor final do produto, porém, sem a intermediação do trabalho humano organizado, tal como ocorre, por exemplo, com empresas como a Airbnb. Nestas, o compartilhamento é feito sem a necessidade da organização de um sistema de trabalho à base de profissionais intermediários entre a plataforma digital e o consumidor interessado.[9]

Todavia, segundo o relator, ministro Maurício Godinho Delgado, o caso não se trata de lídimas empresas da economia de compartilhamento, mas de sistemas empresariais digitais que, mediante sofisticado sistema de algoritmos, administram um empreendimento relacionado à prestação de serviço de transporte de pessoas – e não mera interligação entre usuários, pois o “usuário” do transporte não é cliente do motorista, mas da própria empresa (Uber).

Chamou a atenção no voto vencedor o reconhecimento da subordinação algorítmica, que compreende, segundo aquela Turma, “num sistema sofisticado de arregimentação, gestão, supervisão, avaliação e controle de mão de obra intensiva, à base de ferramentas computadorizadas, internáuticas, eletrônicas, de inteligência artificial e hiper-sensíveis, aptas a arquitetarem e manterem um poder de controle empresarial minucioso sobre o modo de organização e de prestação dos serviços de transportes”.[10]

A diferença específica da relação de emprego perante as demais relações que envolvem o trabalho humano não está exatamente em seu objeto, mas precisamente no modo de realização da prestação: com ou sem dependência[11]decorrência direta do direito de propriedade do empregador. É através dela que se descobre (i) quem merece ser protegido; e (ii) quem pode fazer valer a sua vontade por si mesmo no contrato.[12]

Considerando que a prestação de serviços ocorria diariamente, com sujeição do trabalhador às ordens emanadas da empresa por meio remoto e telemático (art. 6º, parágrafo único, da CLT); considerando que havia risco de sanção disciplinar (exclusão da plataforma) em face da falta de assiduidade na conexão à plataforma e das notas atribuídas pelos clientes/passageiros da reclamada; considerando que inexistia qualquer liberdade ou autonomia do motorista para definir os preços das corridas e dos seus serviços prestados, bem como escolher os seus passageiros (ou até mesmo criar uma carteira própria de clientes); considerando que não se verificou o mínimo de domínio do trabalhador sobre a organização da atividade empresarial; a Turma entendeu que ficou incontroversa a incidência das manifestações fiscalizatória, regulamentar e disciplinar do poder empregatício analisado, para se reconhecer o vínculo de emprego.

Mas, afinal, com a decisão, as empresas de plataforma digital podem deixar o país? Haverá uma avalanche de ações no Judiciário trabalhista?

Não acreditamos nessa possibilidade, data vênia entendimento contrário, uma vez que o volume de ações com pedido de vínculo de emprego que chegaram no TST até o momento não ultrapassou uma dezena, mesmo passados quase uma década de início da operação da Uber no Brasil.

Segundo estudo recente realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), estima-se que existem no país 1,1 milhão de motoristas de aplicativo (2021)[13], cerca de 600 mil deles cadastrados na Uber.

Ou seja, o volume de demandas com pedido de vínculo, comparado com o tamanho da categoria, é irrisório, talvez pelo receio do motorista de aplicativo ser sumariamente excluído da plataforma (e necessite entrar na Justiça para ter direito a novo acesso), ou porque se trata de uma modalidade de trabalho com possibilidade de renda extra quase que imediata e, portanto, não haveria o interesse do trabalhador em buscar a Justiça, conforme já nos pronunciamos em outra ocasião[14].

Por outro lado, a Uber ainda pode recorrer para uniformização, no próprio TST, através de análise da Subseção I, Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1), diante da divergência de entendimentos, pois a 4ª e a 5ª Turmas já se pronunciaram sobre o tema, mas em sentido oposto (não reconhecimento do vínculo).

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FONTE: JOTA

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